Almanaque vem do árabe al-manakh, que é o "lugar em que o camelo se ajoelha". Ponto de reunião dos beduínos para conversar e trocar informações sobre o dia-a–dia.


domingo, 18 de novembro de 2007

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

62º DIA - No Supermercado.....

Aguardava calmamente na fila do mercado no caixa oito segurando na mão esquerda dois pacotes de exatos 200 gramas de biscoitos cream cracker (chique isso de chamar uma mistura de farinha e água com um nome tipicamente estrangeiro!?). Engraçado observar que quando na minha infância íamos as compras na minha cidade natal, íamos ao mercado do Roberto e não Supermercado Cruzeiro ou acompanhava meu avó materno para comprar na cooperativa dos funcionários do extinto DNER, onde ele conhecia os funcionários e anotava sua conta na famosa caderneta. Hoje eu entro no supermercado, pego o que me interessa, ponho na cesta ou carrinho e me dirijo a um caixa qualquer, marcado com um número; sorrio para a atendente do caixa do qual o nome eu não sei, por que não consegui ler as letras miúdas do seu crachá. Talvez fosse melhor que no alto dos letreiros estivesse lá o nome dos atendentes do tipo Beatriz, Ana e João, por exemplo. Mas tudo bem, não é esse o foco do que escrevo...Na verdade estava eu na fila e a minha frente um senhor aparentando uns 48 anos. Como eu sei que ele tinha perto de 48 anos? Não sei! Pareceu-me que se fosse para chutar um número, 48 seria um número bom e daria a essa personagem a marca da experiência, sem que leitores menos avisados vissem a marca apenas da senilidade. De novo a divagação e a fuga do foco! Pois bem, voltemos ao personagem....Um senhor de 1,76 de altura, moreno, usando uma calça azul escuro, chinelos de dedo, uma camisa de cor laranja e um boné também azul; a barba grisalha ajudava a denunciar a idade. Passava sua compra com os olhos fixos na tela amarela e azul do mercado. A compra constituía-se de um pacote de açúcar e de arroz de 5 kg, um de feijão de 2 kg, uma dúzia de ovos, uma garrafa de óleo de cozinha, um pé de alface, três limões, um pacote de 500 gramas de café, três tomates, uma cebola, pães, e fatias de frios entre outros itens de menor valor. A conta ficou em R$ 54,72 centavos. Olhei de novo meus dois pacotes de 200 gramas de farinha e água que custaram juntos R$ 2,50 centavos. Atrás de mim uma mulher de pouco mais de 20 anos, pele morena clara, cabelos lisos e olhos verdes, usando uma saia-short branca e que deixava a mostra às belas pernas; sandálias tipo hippie e uma blusa verde oliva decorada com um colar, esperava para passar a sua compra, feita de duas pilhas tipo AAA e um pacote com algumas gomas de mascar, não das comuns, mas dos tipos com recheio liquido e com um gato de gravatas e óculos escuros. Sai dali refletindo sobre esses pequenos absurdos do nosso cotidiano, em que uns compram aquilo que saciará a própria fome e garantirá a sua sobrevivência, e outros compram aquilo que saciará o desejo que garantirá o prazer. Bendito nossos irmãos mulçumanos que ao menos durante um mês, recusam o alimento disponível para vivenciar a fome, e perceber que a fome sentida por uns é a fome sentida por todos; enquanto apenas reclamamos quando a vontade não saciada, tão bem descrita por Elisa Lucinda, insiste em nós fazer companhia. Eu peço apenas que eu não possa me acostumar nunca a chamar de fome a vontade; que eu não me acostume a consumir mais do que preciso; que eu não chame de felicidade o cream craker do mercado, nem a geladeira ou os carros novos; que eu não chame de sucesso o carro do ano, nem a roupa cara; que eu não afirme realizado meus sonhos quando eu fechar olhos na hora da morte, e o último livro que eu tenha lido seja o livro caixa. Que eu não acostume o olhar e admita como natural a miséria, o analfabetismo, a intolerância, e desigualdade social.