Almanaque vem do árabe al-manakh, que é o "lugar em que o camelo se ajoelha". Ponto de reunião dos beduínos para conversar e trocar informações sobre o dia-a–dia.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

41º DIA - Maternidade (Conto)

Sentado em seu meu escritório, busco refugiar-me na bebida, nos livros já ultrapassados. A noite se anuncia, trazendo consigo a chuva. A lareira ilumina e aquece o ambiente, como se fosse possível afastar as trevas e o frio, presente em cada parede desta casa. O corpo por vezes me trai, me faz adormecer na poltrona, mas meus fantasmas me fazem acordar a um tempo; as janelas abertas, as cortinas balançando e a chuva inundando a sala. Posso escutar por toda a casa os passos secos de minha esposa, seu riso histérico, que a dias me tortura. Trancado em meu escritório, desejo não poder escutá-los, mas nem mesmo a bebida consegue me fazer distrair. Há muito a sanidade se foi nessa casa, através dos dias nos enlouquecemos. Minha pobre esposa carrega em seu peito a falsa culpa pelo acidente que vitimou nosso pequeno filho. A idéia desse fato consumiu aos poucos sua sanidade; e agora temo ser eu o próximo, a quem a loucura irá assombrar os dias. Hoje sua miséria tornou-se pior, ria e gritava num concerto tão grotesco, que pensei ter escutado o próprio demônio, zombando de nossa desgraça. A noite, mais uma vez, refugiado em minha sala, esperando que seus passos e seus lamentos cessassem, vencidos pelo sono, para então poder também descansar, fui vencido pela bebida e mais uma vez adormeci. O despertar me veio angustiante, como se o silêncio decretasse ser aquele o pior momento do meu pesar. Percorri a casa freneticamente em busca da minha esposas, e sua falta a cada instante mais me desesperava. Na porta do quarto de minha criança me detive; no chão marcas de lama. Com o coração tomado por medo, delicadamente abri a porta, e no quarto enfeitado por lembranças e poeira, encontrei a figura fantasmagórica de minha mulher; o peito desnudado a alimentar com seu leite o corpo inerte e fétido de nosso filho.
*Com esse conto fui premiado no Salão Universitário de Expressão de Criatividade da Universidade Federal de Viçosa.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

40º DIA - Quarentena....

Retorno ao fantástico João Bosco para responder ao meu grande amigo Fraldinha, que anda um tanto revoltoso com um certo saudosismo do qual tenho sido acometido! Mas são apenas memórias.... sem pretensão de resgate do passado, por que continuamos andando...caminhamos para o nossa máxima entropia... nossa máxima desorganização! Deixo aqui também uma certa homenagem à memória de meu avô Geraldo, falecido dia 15 passado! Memória da pele
(João Bosco e Waly Salomão)
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Bate é na memória da minha pele
Bate é no sangue que bombeia na minha veia
Bate é no sangue que borbulhava na sua taça
E que borbulha agora na taça da minha cabeça

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

39º DIA - Conto....

A última coca-cola
Era um dia insuportavelmente quente! Sabe esses dias, em que a gente é capaz de suar mesmo só de pensar? Pois é! Nem ao menos era verão! Era um dia quente. Insuportavelmente quente! Estava sentado atrás da minha mesa tentando amenizar o calor com um desses ventiladores portáteis, desses que a gente encontra em camelôs pela cidade afora, e que duram exatamente o verão daquele ano. Meus colegas de repartição nem se falavam por medo de aumentar a sensação desconfortável de calor. A pausa para o café fora substituída pela pausa para água! Luiza era minha colega da mesa ao lado. Novata na repartição mas de cara mexeu com todos os homens da seção: morena, do alto de seu 1,78 metros, 52 quilos perfeitamente distribuídos pelo seu corpo malhado, seus seios na medida ideal e pelo seu – não menos famoso – conjunto de coxas e bunda. Mas naquele dia nem ela era capaz de despertar mais do que um olhar lascivo dos homens da repartição, o calor nos impedia até de pensar em sacanagem. Eu confesso que já estava dando em cima dela, desde o dia em que começou a trabalhar ao meu lado, e sem querer me gabar muito, tenho certeza de que estava sendo retribuído. Resolvi me levantar e tomar uma atitude em relação aquele calor todo. Comuniquei que iria até a lanchonete na esquina comprar um refrigerante e de pronto perguntei a Luiza se desejava alguma coisa. Algumas gentilezas e pequenos gestos de atenção sempre contaram alguns pontos na arte da conquista: ceder a vez no elevador, abrir a porta para ela, carregar a pilha de pastas para a reunião, pagar o café, etc.... E nesse item eu sempre tive alguns pontinhos extras. - “Uma coca-cola!” - “Sem problemas!”, respondi. Peguei o elevador, que parecia se encaminhar ao inferno de tão quente que se encontrava e tão cheio! Dirigi-me a lanchonete do outro lado da rua! O calor só piorava! - “Duas cocas por favor!” - “Só tem uma doutor!, e é nosso último refrigerante também!” - “Fazer o quê né!? Me vê essa daí mesmo e um copo!” Só lamento pela Luiza, mas era a última coca-cola!
André Peres Barbosa de Castro

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

38º DIA - Pixação em muro da Escola Dom Lúcio em Botucatu - SP

"Não mereces o afago,
nem de Deus, nem do Diabo!"
* obra de dominio público que infelizmente não respeitou o espaço público!